Na integra a entrevista ao jornalista Arthur Vilhena leia-se:(oficiodecantora.blogspot.com/ www.facebook.com/oficiodecantoraoficial)
ANGÉLICA RIZZI
Angélica Rizzi é
cantora, compositora, poetisa e escritora. Natural de Estrela, Rio Grande do
Sul, exerce todas essas funções no seu sentido mais primário. É uma mulher que
faz o seu próprio tempo. Exerce sua arte independente das “ondas de mercado”
previsíveis. Sinestesia talvez seja uma palavra que possa definir o encontro
com o seu trabalho: escutando-a, nos sentimos íntimos da Itália sem nunca ter
ido a esse país; os livros funcionam como uma academia para o cérebro (bem
melhor do que malhar o corpo) e também despertam cheiros de situações que
lembram acontecimentos de nossa própria vida. As poesias tem gosto de
recordação guardada em lugar cativo do nosso coração.
É muito bom se envolver com um trabalho onde você pode
invadi-lo, jogando-se de cabeça nele. Tudo que sai do processo de feitura
artística da Angélica funciona como um convite onde existem três pessoas:
Angélica, a arte e você. Ela rompe com a imagem errônea de diva inalcançável.
Provoca uma unidade onde todos querem provar da arte o que ela tem de mais
íntimo.
Na entrevista a seguir, Angélica fala de sensualidade na
música brasileira, revela as cantoras que escuta, mostra suas referências no
que diz respeito a fazer arte e a inspiração para concretiza-la. E muito mais
coisas. Só que ela ainda não percebeu (independente de tudo o que disser) que
para conhecê-la, o seu trabalho é uma porta sempre aberta para os que procuram
preencher uma possibilidade de vazio que essa vida pode ter.
(por Arthur Vilhena do blogger: oficiodecantora.blogspot.com/
www.facebook.com/oficiodecantoraoficial)
Seu disco, “Águas de Chuva”, já apontava uma cantora
cuidadosa com seu repertório. A releitura de dois temas distintos é bem
interessante: “Canos
Silenciosos” (Lobão) e “Nas Curvas da
Guitarra” (poema
musicado pelo Jottaga do Froid Explica para um poema do
Fabrício
Carpinejar). Quais
os motivos dessas duas músicas terem entrado nesse disco?
O disco Águas de chuva de 2008 tem catorze canções das
quais onze são de autoria própria.
A música: Fica comigo foi minha primeira composição em parceria, e nas
duas releituras apresentadas: Canos silenciosos e Nas curvas da guitarra,
homenageio Lobão e Fabrício Carpinejar no enfrentamento do compositor-
cantor em mares nunca dantes navegados com o desafio de interpretar e recriar
canções de outrem. E por que não artistas que eu admiro e que foram meus ídolos
nos anos 80:” Lobão foi um deles”..
A verve irreverente do cantor e compositor carioca e a
poesia singela, mas controversa de Carpinejar enriqueceram o repertório do meu
disco.
Nota: aprendi com a poesia de Camões e a
sacanagem de Bukowski a escrever letra de música e a
reverenciar minhas musas
inspiradoras através da música.
A capa do disco, “Angélica
Rizzi a Italiana” tem uma foto sua bastante sensual. Parece que as cantoras
contemporâneas tentam suprimir esse lado. Fazer fotos sensuais pode contribuir
para que uma cantora “não seja levada a sério”?
A musa da Bossa Nova, isso em meados dos anos 60 –
lembra da doce e sensualNara Leão? Já arriscava algumas poses de pin-up ao se
apresentar nos grandes Festivais de Música Brasileira, que revelaram muitos dos
compositores que ainda reverenciamos neste século. Rita Lee era
ardente,moleca a frente dos mutantes foi a Lolita de Nabokov personificada,
pois acredito que todo artista quando ganha o palco se transforma. O
erotismo está em toda parte e já se encontrava gravado no mais antigo texto
ocidental sobre erotismo que já foi publicado sobre o tema: o “Banquete de
Platão”.
Nesse disco, você canta músicas típicas italianas. Poucas
cantoras no Brasil fazem isso, como Zizi Possi fez, por exemplo. O que a levou a
fazer um disco com essas músicas?
Sou neta e bisneta de descendentes de italianos. Além da
mesa farta regada a vinho e
delicias da gastronomia da terra de Dante,
também cultuávamos as canções
dialetais do Norte-Província Independente de Trento, terra que meu
bisnonno Cornélio Rizzi atravessou para chegar aos doze anos cheio de
sonhos e aspirações.
Como você equilibra suas composições próprias com
repertório alheio nos seus discos? Sentes vontade de fazer um disco
inteiramente autoral ou um só com regravações?
Gosto de buscar inspiração em outros artistas da arte das
palavras e sempre procuro fazer um trabalho, com composições autorais
mescladas com canções de cantautores que admiro. Por exemplo,adoro Elvis Presley, amoFernando Pessoa e sempre bebi da fonte da poesia para
criação de textos para composições literárias; já transformei muitos poemas próprios em canções e
mini-contos em crônicas. O
universo dos livros sempre foi muito vívido em mim desde a infância. Acredito
que meu trabalho musical sempre
será recheado de canções próprias e matizes musicais de outros compositores com
nuançes poéticas...
Outro disco seu, “Acústico
Trentino” remete a um tempo de delicadeza, como se o repertório fosse cuidado
da mesma maneira com que uma mãe cuida do seu rebento. Como nasceu esse disco?
O CD Acústico Trentino na verdade foi meu
debut fonográfico. Eu já tinha alguns singles mais, este disco veio da
ideia de fazer um trabalho cultural pelo Circulo Trentino de Porto Alegre do qual faço parte da diretoria de
cultura. O disco além de canções folclóricas italianas em versão pop e ritmos
brasileiros, mescla canções românticas italianas de minha autoria. Foi como
confeccionar um bom vinho tinto seco das videiras do meu nonno Candido Rizzi e presenteá-lo as minhas raízes
maternas. Foi como cristalizar e eternizar flashes da minha infância.
Você começou a sua carreira na sua cidade natal, Estrela
(RS). O que recordas dessa época? Como era a artista multifacetada Angélica
Rizzi – compositora, poeta e cantora?
Eu sempre fui muito inquieta e acredito que a arte
contribuiu para que eu conseguisse extravasar toda essa energia.Tinha minha
irmã gêmea para brincar e me acompanhar nas pequenas travessuras do cotidiano,
a música sacra na escola, os livros da biblioteca, as peças que escrevia para
após dirigir e encenar no
pequeno e tímido palco do
colégio.
O meu viés de mundo, o meu modo de pensar sempre foram de
poeta. Uma poeta que aprendeu a nadar na musicalidade de um poema e após quis
cantar.
Por ter ascendência italiana, sinto que gostas de
homenagear, por assim dizer, a Itália. Fazer discos com temáticas específicas,
nesse caso, com repertório de determinado país, não é uma proposta que pode
enfrentar certa resistência num Brasil acostumado com cantoras muito populares,
que cantam melodias fáceis, bobas e assobiáveis?
A arte existe para celebrar a cultura dos povos e nasceu
para ser uma ponte entre as nações. O artista é o porta voz e cabe a ele ser a
voz que guia na escuridão, o farol que sinaliza as embarcações, a bandeira de
paz e a memória de um país. A resistência em não conhecer a língua ou a arte de
um país ou um lugar. O artista com sua sensibilidade e delicadeza atravessa
oceanos, derruba muros, e faz com que sua história seja cantada por gerações.
Beatles ainda tocam em ipads, existem em vinis, e Chico Buarque não
faz,somente shows para terceira idade. O mundo se renova, e tudo se reinventa a
cada dia tanto, nas mídias digitais, quanto na música, na poesia seja ela em
espanhol, francês, inglês...
O seu trabalho com poesia acabando respingando (de forma
benéfica) em suas composições. Dá para separar uma coisa da outra?
A minha criação artística sempre nasceu do texto, da
palavra oralizada, de um verso de um poema. E desde meus sete anos eu continuo
bebendo da fonte da poesia e continuo lendo Quintana,
degustandoBobDylan assim como o galês Dylan Thomas,
entre outros... Eu nasci poeta, e descobri na essência da poesia a
música..
Escrevestes um livro infantil
chamado “Manoelito – O Palhaço Tristonho”. Hoje em dia, as opções de leitura
para esse público são cada vez mais escassas. O que a levou a escrever um livro
para as crianças?
Na verdade, estou lançando o terceiro livro infantil este
ano na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre. Após Manoelito eu lancei em 2010 Sol e as ovelhas que
fala da importância da musicalização na infância, tem escrita de sinais para
surdos (sign writing) ilustrações para pintar, e linguagem em inglês. O terceiro segue
um formato diferente mais simples, somente, com ilustrações e o texto
explicativo e fala de uma ciência, e da importância de brincar e estar
perto de quem amamos.
Nota: Eu comecei menina a apreciar os livros.
Aprendi com Monteiro Lobato a descrição de um ambiente
e a verosimilhança que provoca o efeito visual no leitor. Aprendi que essa
riqueza de situações, o lúdico, e a inocência deste estilo literário mais a
proximidade com o público infantil são fonte de grandes descobertas para
um cantor-escritor, isto é, os
pequeninos nos ensinam sempre cabe ao artista estar sempre vivenciando e
observando a vida.
As pessoas são sua maior riqueza, e as crianças um
tesouro, para que sua obra perdure e continue sendo um canal com seu público
leitor.
A
“Coleção Arco-Íris Poética” engloba cinco livros que tratam da paixão,
sentimento complexo e ambíguo. O que a paixão lhe ensinou que a levou a
escrevê-los?
Aristóteles definiu
a paixão como o que move, o
que impulsiona o homem para a ação, e ela pode ser seguida de dor ou prazer. Este sentimento foi
o que sempre nutri pela
arte das palavras, os livros, a música, o cinema. A paixão está em toda parte,
nos olhos dos enamorados, nos gestos de uma mãe com seu filho no colo, na voz
do cantor que interpreta suas canções,e pode ser um ideal para toda vida.
Nota: A paixão de John Lennon pela sua amada Yoko Ono
despertou composições musicais sem seu parceiro Paul; o surreal pintor Salvador Dali, dedicou parte de sua obra a musa e esposa Gala; a
união de Sartre & Simoneque viveram o "amor necessário"
que os uniu por 50 anos, criaram sua própria filosofia para viver esta paixão.
-Viver apaixonado por si mesmo, pelas pessoas que estão a
nossa volta, em tudo que acreditamos.
Exercer duas profissões difíceis no Brasil, poetisa e
cantora, não é tarefa das mais fáceis. As dificuldades que ambas tem fizeram
com que você cogitasse desistir dessas carreiras?
Reflito e questiono a cada dia qual o verdadeiro caminho do
artista além do palco e do ideal de viver para sua arte. O escritor alemão Hermann Hesse já
dizia: que queria ser poeta ou nada; o poeta tcheco RainerMaria Rilke como conselheiro do seu
jovem discípulo na obra Cartas ao jovem poeta escreveu:(....) “investigue o motivo que o manda
escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua
alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima
de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou
mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for
afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples
"sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade.
(...).
-Tenho lido o excerto deste livro todos os dias, e a cada
momento me convenço que esta é a minha sina e tenho tentado construir a minha
vida de acordo com esta necessidade!
Outro livro seu, o “Clube dos Solitários”, como o próprio
nome diz, fala do sentimento de solidão. Todo artista se sente só? Como surgiu
a ideia para escrevê-lo?
A obra Clube dos solitários é
um trilogia.Estou finalizando o terceiro volume – e faz parte de uma homenagem
aos poetas que também serviram de inspiração para minha carreira artística – a
geração beat: leia-se Jack Kerouac;Gregory Corso; Allen Ginsberg, entre outros.
Estes poetas buscavam a solidão voluntária e como a própria
palavra beat com o significado do idealizador do movimento – a beatitude! Para
quem leuOn the road este
sentimento está em toda parte, pode ser uma fuga da urbaneidade, dos tempos
modernos, mas todos nós precisamos destes momentos solitários para mergulharmos
no nosso eu, questionarmos nosso id e enfim, encontrarmos a nossa verdadeira
essência. As vezes, me parece que o homem esquece que também possui alma, ânima
e precisa alimenta-la, e a solitude nos permite isto.
Indo na esquina comprar pão, já é possível avistar uma nova
cantora. Quais cantoras brasileiras você tem escutado e gostaria de nos
indicar?
O artista está em toda parte e as mulheres, a medida que os
tempos foram mudando com a revolução sexual que aconteceu nos anos 1960, ativada pelo surgimento da pílula
anticoncepcional, passaram a ocupar seu espaço e estão lado a lado com os homens e na
música isso não foi diferente. Já no passado, a
ocupação da mulher resumia-se sobretudo à sua função de cônjuge, mãe e dona de
casa. Sabe-se que uma das mais importantes compositoras de todos os tempos foi
da Idade Média, chamava-se Hildegarda, era natural de Bingen, além de monja
beneditina também era mística, filósofa, e escritora. Neste século acredito
que o número de cantoras no Brasil não é diferente do de juízas,
delegadas, escritoras, professoras, taxistas etc..
As cantoras contemporâneas que eu aprecio são:
Fernanda Takai; Marisa Monte; Mirianês Zabot; Karine da Cunha; Norah Jones ,além
das renomadas Rita Lee; Elis
Regina; Rosa Passos; Billie Holiday..
O que podemos esperar de você agora: disco novo, livro
novo,shows? Planos? O que vem por aí?
Estou lançando dia 30 de
outubro meu terceiro livro infantil; e na primeira semana de novembro realizo
mais um Sarau Poetas Iluminadas em homenagem a Janis Joplin; após faço um outro
Sarau na feira sobre a poesia cubana continuando é claro, o trabalho com a
banda, pois acredito que sai um novo disco em 2013. O trabalho segue com
composições próprias sob direção musical de Fernando Spillari, além de outras
releituras de compositores contemporâneos e os que fizeram parte do movimento
Tropicalista além da canção de trabalho Seven Days in Nicarágua, onde mais uma vez homenageio o
movimento de contracultura intitulado movimento beat, ou para os mais
moderninhos: Beatnik.
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